Tradução livre de um texto belíssimo sobre a amizade. Texto original aqui, por David Whyte.
"A
amizade é um espelho para a presença e um testamento ao perdão. A amizade
ajuda-nos a vermo-nos através dos olhos do outro, e só pode sustentar-se ao
longo dos anos com alguém que repetidamente consegue perdoar as nossas
transgressões, e temos de encontrar em nós a capacidade de perdoar também. Um
amigo conhece as nossas dificuldades e sombras e mantém-se ‘a vista,
companheiro das nossas vulnerabilidades mais do que dos nossos triunfos, quando
estamos sob a estranha ilusão de que não precisamos dele. A força de uma
amizade verdadeira é uma bênção precisamente porque a sua forma elementar é
descoberta e redescoberta através da compreensão e compaixão. Todas as
amizades, de qualquer duração, baseiam-se no perdão contínuo e mútuo. Sem
tolerância e compaixão todas as amizades morrem...
A
amizade é o grande transmutador de qualquer relação: pode transformar um
casamento problemático, tornar respeitável uma rivalidade profissional, fazer
sentido de um desgosto amoroso não correspondido e tornar-se lugar fértil para
uma relação mãe-filho madura.
A
dinâmica da amizade é quase sempre subestimada enquanto força constante na vida
humana: um círculo de amigos que permanente diminui é o primeiro terrível
diagnóstico de uma vida problemática: demasiado trabalho, demasiado ênfase numa
identidade profissional, esquecer quem estará do nosso lado quando as nossas
personalidades blindadas vieram de encontro aos desastres naturais e ‘as
vulnerabilidades encontradas mesmo na mais mediana existência...
A
amizade transcende o desaparecimento: uma amizade duradoura continua para além
da morte, a troca apenas transmutada pela ausência, a relação avançando e
maturando num silencioso diálogo interno mesmo quando metade da ligação
desaparece.
Mas
independentemente das virtudes medicinais de se ser um verdadeiro amigo, ou de
se sustentar uma longa relação próxima com outra pessoa, a derradeira
pedra-de-toque da amizade não é o aperfeiçoamento, nem do próprio nem do outro,
a derradeira pedra-de-toque é testemunhar e ser testemunhado, o privilegio de
se ter sido visto por alguém e o privilegio de se ter podido ver a essência do
outro, de ter caminhado com eles e acreditado neles, e ‘as vezes simplesmente
tê-los acompanhado, por pouco tempo que tenha sido, numa jornada impossível de
se cumprir sozinho."
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