Thursday, 22 December 2016

Amizade, David Whyte

Tradução livre de um texto belíssimo sobre a amizade. Texto original aqui, por David Whyte.
"A amizade é um espelho para a presença e um testamento ao perdão. A amizade ajuda-nos a vermo-nos através dos olhos do outro, e só pode sustentar-se ao longo dos anos com alguém que repetidamente consegue perdoar as nossas transgressões, e temos de encontrar em nós a capacidade de perdoar também. Um amigo conhece as nossas dificuldades e sombras e mantém-se ‘a vista, companheiro das nossas vulnerabilidades mais do que dos nossos triunfos, quando estamos sob a estranha ilusão de que não precisamos dele. A força de uma amizade verdadeira é uma bênção precisamente porque a sua forma elementar é descoberta e redescoberta através da compreensão e compaixão. Todas as amizades, de qualquer duração, baseiam-se no perdão contínuo e mútuo. Sem tolerância e compaixão todas as amizades morrem...
A amizade é o grande transmutador de qualquer relação: pode transformar um casamento problemático, tornar respeitável uma rivalidade profissional, fazer sentido de um desgosto amoroso não correspondido e tornar-se lugar fértil para uma relação mãe-filho madura.
A dinâmica da amizade é quase sempre subestimada enquanto força constante na vida humana: um círculo de amigos que permanente diminui é o primeiro terrível diagnóstico de uma vida problemática: demasiado trabalho, demasiado ênfase numa identidade profissional, esquecer quem estará do nosso lado quando as nossas personalidades blindadas vieram de encontro aos desastres naturais e ‘as vulnerabilidades encontradas mesmo na mais mediana existência...
A amizade transcende o desaparecimento: uma amizade duradoura continua para além da morte, a troca apenas transmutada pela ausência, a relação avançando e maturando num silencioso diálogo interno mesmo quando metade da ligação desaparece.
Mas independentemente das virtudes medicinais de se ser um verdadeiro amigo, ou de se sustentar uma longa relação próxima com outra pessoa, a derradeira pedra-de-toque da amizade não é o aperfeiçoamento, nem do próprio nem do outro, a derradeira pedra-de-toque é testemunhar e ser testemunhado, o privilegio de se ter sido visto por alguém e o privilegio de se ter podido ver a essência do outro, de ter caminhado com eles e acreditado neles, e ‘as vezes simplesmente tê-los acompanhado, por pouco tempo que tenha sido, numa jornada impossível de se cumprir sozinho."